Em Natal, não é permitido recolher novos presos em centros de detenção provisória e cadeias públicas. A determinação foi firmada no fim da tarde de ontem pelo juiz da 12ª Vara Criminal, Henrique Baltazar dos Santos, através da Portaria 05/2011. O juiz quer impedir um agravamento ainda maior da superlotação constatada em todos os estabelecimentos prisionais da cidade. A medida também é uma conseqüência da recomendação expedida ontem pelo promotor Wendell Beetoven, sobre a responsabilidade de custódia de presos. De acordo com o texto da portaria, novos presos só serão recebidos por qualquer estabelecimento prisional da cidade por autorização do juiz Henrique Baltazar ou da Coordenadoria de Administração Penitenciária (Coape) da Secretaria Estadual da Justiça e Cidadania (Sejuc). Como pano de fundo da determinação, um sistema sem condições de atender às demandas da sociedade. Em Natal, há um deficit de mil e seis vagas. Em outras palavras, há 436 presos em regime fechado e 570 do semiaberto além da capacidade do sistema. "Eu tenho que tomar alguma medida porque o sistema prisional está sob minha responsabilidade e não há vagas", disse o juiz.
DELEGACIAS
Na prática, de acordo com o secretário estadual de Justiça e Cidadania, Thiago Cortez, todos os detidos serão destinados de acordo com uma decisão conjunta da Secretaria com o juiz da 12ª Vara Criminal. Para Henrique Baltazar, a tendência é que os presos sejam custodiados nas delegacias, contrariando a recomendação expedida ontem pelo Ministério Público Estadual. "A Sejuc se comprometeu a abrir algumas vagas para abrigar mais alguns nas delegacias", disse o juiz. Ontem à tarde, cerca de 20 presos foram transferidos da Delegacia de Plantão da Zona Norte para o CDP Pirangi. Em média, são detidas 20 pessoas por fim de semana em Natal. Para o juiz da 12a Vara, Henrique Baltazar, o problema é a "inércia" do Estado. "Estamos desde o início do ano denunciando o caos do sistema prisional e o Estado continua inerte. Não se faz nada. A situação é desesperadora", reclama. O secretário estadual de Justiça prometeu ao juiz a finalização das obras do anexo em Alcaçuz, com 400 novas vagas, em 15 dias. Além disso, o prédio da Delegacia de Veículos deverá virar um centro de detenção provisória. O comandante da PM, coronel Francisco Canindé de Araújo, disse não ter sido informado da decisão e que não havia nenhuma recomendação especial para a PM até o momento.
Conflito
O promotor criminal Wendel Beetoven questiona a existência de decisões judiciais conflitantes em vigor. A Portaria 05/2011 proíbe a custódia de presos nos centros de detenção provisória ou nas cadeias públicas em Natal. Ao mesmo tempo, uma decisão da Vara da Fazenda Pública também proíbe a custódia nas delegacias."São decisões conflitantes. Se não pode levar para o CDP e nem para a delegacia, vai levar para onde? É preciso chegar a um consenso. Eu não sei o que vai ser feito", diz o promotor, acrescentando que a orientação de como deveria proceder a polícia já tinha sido feita (veja artigo na pág. 02). E complementa: "Nas delegacias, não há espaço, não há comida, não existe a menor condição de receber novos presos". O MP recomendou ontem à Polícia Civil a entrega a custódia dos presos capturados às unidades prisionais do Estado. "O policial civil condutor deverá algemar o preso junto às grades ou outro ponto fixo do interior do estabelecimento indicado na ordem judicial - com algemas descartáveis - e advertir o agente penitenciáriode que o conduzido estará sob a responsabilidade da COAPE/SEJUC", diz o documento.
Em Natal há quase dois presos por cada vaga
Natal possui sete unidades prisionais que somam 520 vagas. No entanto, atualmente, são 956 presos dividindo celas nos Centros de Detenção Provisória (CDPs), Cadeia Pública e Complexo João Chaves [confira box]. Isso, sem contar os presos que estão confinados nas delegacias de plantão da zona Norte e zona Sul. Naquela, a situação melhorou porque 21 presos foram transferidos ontem. Hoje, são sete presos. Na zona Sul, porém, o cenário é desolador. São 59 presos num espaço adequado para apenas quatro. O secretário estadual de Justiça e Cidadania, Thiago Cortez, revelou que já existem R$ 24 milhões, oriundos do Governo Federal, destinado a construção de novas unidades prisionais, o que deve resultar em 1.300 novas vagas. Ele informou ainda que R$ 16 milhões vindos do Departamento Penitenciário Nacional (Depen) foram perdidos devido a não conclusão das cadeias de Macau, Lajes e Ceará Mirim. Segundo o gestor, o Governo do Estado está sensível a realidade vivida no sistema prisional e está buscando soluções.
Justiça
O juiz da 12ª Vara de Execução Penal, Henrique Baltazar Vilar dos Santos, acredita que o Poder Judiciário pode ajudar a amenizar o inchaço do sistema prisional, e o faz quando apressa as decisões para que, quando possível, os benefícios sejam concedidos. Baltazar admite que a estrutura de pessoal da Vara de Execução Penal, com 10 servidores e alguns estagiários, é deficitária e contribui para o atraso na apreciação dos processos, mas afirma que o grande vilão são os gargalos provocados pela burocracia. A 12ª Vara possui 5.500 processos, número que chegou a 6.300 em janeiro deste ano. Mensalmente, chegam 200 novos processos. O magistrado informou que tem buscado alternativas para mudar as rotinas dos processos e dar celeridade aos casos. Como exemplo ele lembrou que tem buscado junto as diretorias de presídios o compromisso deles de enviar periodicamente os relatórios daqueles apenados que realizam trabalhos voluntários na unidade, o que nem sempre acontecia. A Lei de Execução Penal prevê que cada três dias trabalhados corrobora na remissão de um dia na pena. Baltazar também mencionou que os processos de progressão de regime também costumam atrasar e ser gozado pelo preso de três a quatro meses depois da concessão, em decorrência do atraso do envio de atestado de bom comportamento, fato decorrente da difícil comunicação entre polícia e sistema penitenciário. "Sei que estamos longe do ideal, ma estamos tentando contornar a burocracia que não funcionava", disse.
Todas as unidades prisionais de Natal estão superlotadas
1 - Unidades prisionais de Natal
-CDP da Ribeira
Capacidade - 60
Quantidade atual - 118
-CDP de Candelária
Capacidade - 60
Quantidade atual - 94
-CDP da Zona Norte
Capacidade - 60
Quantidade atual - 114
-CDP de Pirangi
Capacidade - 20
Quantidade atual - 52
-Cadeia Pública
Capacidade - 160
Quantidade atual - 418
-Complexo João Chaves
Capacidade - 160 presos
Quantidade Atual - 160
Fonte: Coordenação de Administração Penitenciária (Coape)
2 - Delegacias com presos:
-Plantão zona Sul
Capacidade - 4
Quantidade atual - 59
-Plantão zona Norte
Capacidade - 7
Quantidade atual - 7
Promotor defende recomendação
A TRIBUNA DO NORTE recebeu do promotor de Justiça, Wendell Beetoven o seguinte e-mail, reproduzido na íntegra:
Caro editor, a reportagem de hoje da Tribuna do Norte, com o título "MP aceita que polícia deixe presos algemados a grades", passa uma ideia equivocada da recomendação que expedi. Desta forma gostaria que, se possível, o jornal publicasse esses pequenos esclarecimentos:
O recomendado à Polícia Civil foi que os policiais deixassem os presos algemados às grades da cadeia pública, improvidamente, mas nunca, jamais, que esses presos permanecessem nessa situação (algemados às grades) por tempo indefinido ou período duradouro. A medida, de caráter eminentemente provisório, é apenas para que, em caso de recusa do recebimento, por parte dos agentes penitenciários, o preso não fuja e se impute a culpa aos policiais civis. Obviamente, depois de recebido o preso (ainda que de maneira forçada!), os agentes penitenciários deverão, obrigatoriamente, romper as algemas descartáveis e colocá-lo junto com os demais, dispensando-lhe exatamente o mesmo tratamento digno que merece qualquer ser humano. Não concordo com nenhum abuso por parte de agentes do Estado nem tampouco com tratamento desumano ou degradante! Os que acompanham meu trabalho, como Promotor de Justiça encarregado do controle externo da atividade policial, sabem como sou rigoroso na repressão à violência praticada por agentes públicos. Justo por isso, entendo como absolutamente errada a transformação de delegacias de polícia em depósitos humanos, sem as mínimas condições de segurança e salubridade, piores até do que campos de concentração nazistas, onde são amontoados mais de 60 homens no espaço destinado a, no máximo, oito, sem qualquer higiene. Às autoridades e advogados que, entrevistados, se mostraram insatisfeitos com a recomendação, fica o desafio a uma visita às Delegacias de Plantão - e até concordo em acompanhá-los -, a fim de que vejam, pessoalmente, o que é violação aos direitos humanos, numa permanente situação de tortura física e psicológica. Numa cadeia pública, por mais lotada que esteja, o preso tem direito a alimentação, banho de sol e algum espaço para atividades físicas, além de visitas de familiares e advogados. Nas delegacias nada disso é possível. De qualquer forma, reitero que a obrigação de custoriar os presos (todos eles) é da SEJUC, e não dos policiais civis. Por outro lado, a medida de prisão sugerida não decorre do eventual descumprimento da recomendação do MP, mas sim da situação de flagrante delito, conforme previsto na lei. Assim, se alguém vier a ser preso, é porque desobedeceu a uma ORDEM JUDICIAL, e não à recomendação, que, como o próprio nome indica, é uma orientação de conduta, sem efeito vinculante. Não obstante, qualquer pessoa com inteligência mediana sabe, ou deveria, que é errado desobedecer ordens judiciais. A recomendação do MP apenas lembra o óbvio.
Atenciosamente,
Wendell Beetoven Ribeiro Agra
Promotor de Justiça.
Fonte: Tribuna do Norte.
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